domingo, agosto 22, 2010

Mais ao so(u)l...



Este é um verso que vive na pobreza.
Este também. Aqui, só há faltas...
Frágeis, este e todos os outros versos
deste claustrofóbico bloco metido a estrofe
tentam expressar o que nem tem um nome...

Falam, baixinho, com quem não os ouve...
Fraquinhos, quase não respiram; definham...
Palavras sofridas, mortas de fome de vida,
que não serão enterradas no fim deste verso.

Sempre se tenta um outro, - nefasta travessia...
Nada-se para um nada de margens assoreadas,
pisadas por pés descalços ou em sandálias gastas...

Versos banhados por um rio ainda caudaloso,
que só não ultrapassa as fronteiras da própria sorte,
cercado pelo castanho inerte, - suplício de uma floresta,
ora ardente ora esfumaçada; à sombra de esperas...

Assustada, em disparada, uma onça-pintada passa por este verso.
E neste aqui, um outro índio, nu, sem entender os sinais, -
o desencanto do uirapuru trinando escondido no que resta da mata.
Extinta a estrofe, o verso engasgado outra vez atravessa...

Ainda em busca de uma outra vida, mais nutrida e bonita...

Embora o esforço, não há nada de novo...
Nem gordura nem musculatura.
A erva que sobra não cura.
E o verso esmirra-se
no ar viciado.
Língua de fora,
cumpre a sina de ser pobre
e empanturrar-se de esperanças...

Em berço outrora esplêndido
o poema deita-se,
e morre...

ju rigoni (2000)


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18 comentários:

Wanderley Elian Lima disse...

Seria o funeral do verso? Não acredito, mas sim na sua redenção, tão bem narrado, embora pesado em alguns momentos.
Beijos

Tania regina Contreiras disse...

Ju, que coisa mais bonita, menina! Parece uma travessia, ponte por ponte, fins e recomeços...nossa, esses são seus versos, que me fisgaram desde a primeira vez que os li...Esse poema de hoje é maravilhoso! Rico, nada de pobre, e cheio de esperanças...

"cumpre a sina de ser pobre
e empanturrar-se de esperanças..."

Beijos, querida!

Nadine Granad disse...

Adorei!
Quantas imagens lindíssimas:
"Versos banhados por um rio ainda caudaloso,
que só não ultrapassa as fronteiras da própria sorte"...
*-* (encantada)

Beijos!

Eliane F.C.Lima disse...

Ju,
Nossa, que coisa bonita! Em todos os sentidos. Adorei a estratégia de fazer o verso parecer estar se construindo no momento da leitura - "Este também. Aqui só há faltas..."; Assustada, em disparada, uma onça-pintada, passa por este verso./E neste aqui, um ou outro índio nu, sem entender os sinais". O leitor é levado, literalmente, em um passeio poético. Grande efeito.
E além de tudo, a beleza do que é dito. O efeito poético está no "como se diz" mais do que "no que se diz". Perfeição quando se acerta nos dois, como aqui.
Eliane F.C.Lima

angela disse...

Lindos versos que de pobre não tem nada. Falam de um sentimento que as vezes nos assalta, de falta de vida, de ausência de cor e fala lindamente disso.
beijos

Anônimo disse...

Ju, esse poema continua e estará
eternamente VIVO! Parece até que acabaste de escrevê-lo.
BELÍSSIMO!

Beijos e "inté" !

Sonia Pallone disse...

"Em berço outrora esplêndido
o poema deita-se,
e morre..." Que lindo isso, Ju!Quase uma despedida poética...Bjs.

Rafael Castellar das Neves disse...

Caramba!! Sensacional isso...muito bom...ainda tô pensando...rs

[]s

Úrsula Avner disse...

Oi Ju,

Que bonito ! Prazer em te visitar. Agradeço seu carinho lá no Gotinhas. Bj com sabor de poesia.

Ana Lucia Franco disse...

Ju, tudo tão bem escrito, tão bem traduzido em palavras, que o poema respira, respira, com toda força.

bjs.

Nilson Barcelli disse...

Verso pobre e esmirrado não é com a Ju. Porque os seus poemas têm vida. Nomeadamente este...
Parabéns, querida amiga. O seu poema é mesmo excelente.
Beijos.

Graça Lacerda disse...

JU, minha poeta rica!

lindo seu poema! Quanta riqueza ao descrever a trajetória desses versos, quanta nostalgia linda eu pude sentir neles, meu Deus! Amei!

Sabe?Eu também ando 'à procura de uma outra vida, mais nutrida, mais bonita'... como seus versos.

Parabéns, um encanto.

E agora, faço-lhe um convite:

Venha ver, amiga, uma homenagem simples que fiz à nossa querida Eliane, e está em

http://anjopratablogspotcom.blogspot.com

Beijos e apareça, será uma honra e alegria vê-la por lá.
Inté!rs

Eloah Borda disse...

Ju querida, o que mais me tocou neste teu maravilhoso poema é a subjetividade, a analogia implícita que há nele com a nossa triste e desesperançada realidade; a personificação do verso e sua duplicidade, sendo a um mesmo tempo criador e criatura; é o poeta (no caso, a poeta), que quer cantar uma nova e melhor realidade (que nunca chega), e é a própria realidade, ou seja, o povo sofrido que

“cumpre a sina de ser pobre
e empanturrar-se de esperanças...”

e é também o meio ambiente cada vez mais devastado ...

“Versos banhados por um rio ainda caudaloso,
que só não ultrapassa as fronteiras da própria sorte,
cercado pelo castanho inerte, - suplício de uma floresta,
ora ardente ora esfumaçada; à sombra de esperas...

Assustada, em disparada, uma onça-pintada passa por este verso.
E neste aqui, um outro índio, nu, sem entender os sinais, -
o desencanto do uirapuru trinando escondido no que resta da mata.
Extinta a estrofe, o verso engasgado outra vez atravessa...”

Bravos! Aplaudo de pé, minha amiga!
Beijos.
Eloah

Tais Luso de Carvalho disse...

Foi muito bom ter trilhado este teu poema do começo ao fim e refletido sobre o que queres dizer. Esta mistura de adrenalina com agonia literária; mexe com a gente.

‘Embora o esforço, não há nada de novo...
Nem gordura nem musculatura.
A erva que sobra não cura.
E o verso esmirra-se
no ar viciado.
Língua de fora,
cumpre a sina de ser pobre
e empanturrar-se de esperanças...’

Ju, sempre ótima!


Beijos, amiga.
Tais luso

AC disse...

Poema com olhar envolvente, em busca de sinais que valham a pena...
Poema sentido, doloroso, em busca da água que sacie...
...mas ainda, na sua agonia, poema com um respirar forte.

Beijo :)

Fernanda Ferreira - Ná disse...

Olá Jú!

Passei por esse poema com a sensação de que estava a atravessar consigo um caminho em construção...
Difícil e árdua a caminhada, quase insustentável, insuportável...
Porque é que não deu?

" Agarro o momento de encantamento.
Enamore-me do gemido e do silêncio
E deixo o tempo se espreguiçar
para além do silêncio
Para além do meu próprio gemido"


Beijinhos
Ná - Na csa do Rau

Anônimo disse...

Umm belo poema, Ju, carregado de emoção, envolvimento, sentimento.
Um poema reflexivo, que nos coloca no eixo e sacode pra realidade.
Muito lindo!

Beijos!

ju rigoni disse...

À Wanderley, Tania, Nadine, Eliane, Angela, Giramundo-Pernalonga, Sonia, Rafael, Úrsula, Ana Lúcia, Nílson, Graça, Eloah, Taís, AC, Fernanda e Luciana...
meu muito obrigada pela visita e comentário.

Grande beijo em todos. Inté!