domingo, agosto 15, 2010

Colocando a "panela" no fogo...


Fome não é só uma palavra.
Fome não é só um nome.
Fome é O não.
Fome é 0 zero.
Letras vazias,
números ôcos.
À esquerda ou à direita,
fado do Estado…
Letras e números repletos de espaço, -
tal qual o estômago de quem tem fome.
A fome que o estreita
num grande abraço…

Enquanto alimento meus versos
com a sua sina,
eles morrem da prosa mentirosa
que não lhes conhece a dor.
Que não sabe o que é amor ao próximo.

Olhe nos olhos de quem tem fome…
Eles vomitam a alma,
que já não encontra um lugar
no vácuo do corpo frágil…

A fome dói.
Literalmente.
E muito…
No corpo e no espírito.
Pergunte a quem a tem.

Alimentam-se na fé;
é o que lhes sobra.
Uns comem o corpo de cristo,
outros bebem suas palavras.

Como pode multiplicar
o pão,
o vinho,
os peixes,
quem não sabe dividir?

Você comeu hoje?
Eu também.

“Eles” comeram e beberam,
mas não se lembraram da fome, -
esse mal necessário
que só entra em pauta
quando faz alguma falta.

Depois…
Este assunto defunto
bem na hora do jantar!?…
Ora, pelo amor de Deus!…

(Às vezes me incomoda escrever.
É pouco. É nada.
É o nada que posso fazer.)

ju rigoni (1977)


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16 comentários:

Wanderley Elian Lima disse...

A fome é real e maior que possamos imaginar. As vezes nos sentimos até um pouco incomodados quando comemos, mas se fizermos o mínimo, mesmo que seja um poema, já é alguma coisa.
Beijos

Ana Lucia Franco disse...

Ju, há diversas formas de fome, e todas deletérias. Só que a da alma é ainda mais nefasta. A do corpo é básica. Escrever é um modo de se saciar, ou saciar a quem lê.

Puxa, mas teus poemas pegam de jeito, enlaçam, envolvem..

bj

Tania regina Contreiras disse...

Olhe nos olhos de quem tem fome…
Eles vomitam a alma,
que já não encontra um lugar
no vácuo do corpo frágil…


Oi, Ju...escrever sensibiliza, e sensibilidade abre caminhos. Mas, sim, parecem vomitar a alma...
Beijos

AC disse...

Este poema é um grito que vem bem lá do fundo...
Ainda bem que ainda há quem grite!

Beijo :)

Paula: pesponteando disse...

Ju, seu texto mexe na alma. mexe no estomago. mexe na consciência. Suas palavras são um grito de revolta nascido de ti, mas q permeia uma coletividade, pena q esta coletividade, eu e outros, sejamos tão omissos em nossos gritos e em nosso fazer...

bjs

angela disse...

Muito bom o poema.
Fala com sensibilidade de algo tão triste e feio como é a fome e a indiferença a ela.
Temos que falar do que doí, de todas as dores, não só das dores de amor.
beijos

L. Rafael Nolli disse...

Beleza de poema. Trás uma forte realidade que infelizmente persiste. O poeta lutando com as armas que tem: as palavras! Muito bom.

Eliane F.C.Lima disse...

Não há comentário melhor a fazer do que citar João Bosco e Aldir Blanc:

"A raiva dá prá parar
Prá interromper
A fome não dá
Prá interromper
A fome e a raiva
É coisa dos 'home'"

Eliane F.C.Lima

Nilson Barcelli disse...

Querida Ju, ler o seu poema é como levar um soco no estômago. Porque é duro, forte, mas muito real.
Parabéns pela excelência das suas palavras. Duplamente... pela forma e pelo conteúdo.
Querida amiga, bom resto de semana para vc.
Um beijo.

Anônimo disse...

O poema também é uma forma de expressar o sofrimento, as mazelas da vida. E você o faz de forma explêndida. Parabéns pelo talento e sensibilidade de transpor em palavras o que acontece no nosso meio.
Beijos pra ti!

A.S. disse...

Ju...

Este teu poema é um grito!
Permite que grite contigo contra tanta indiferença e desumanidade para com os mais frágéis, indefesos, excluidos, particularmente as crianças? No seu olhar já sem lágrimas nem esperança, sem brilho, apenas existe a voracidade de sobreviver...
Que sociedade é esta que condena assim,o nosso futuro colectivo?


Um abraço!
AL

Tais Luso de Carvalho disse...

Ju, quanta verdade dita em tão pouco espaço...
Mas tudo está por aí, com todo o blábláblá dos que nunca fizeram nada e nem pretendem que algo, que algum benefício, que alguma tomada de consciência saia do papel. Sabe por quê? Porque os famintos, os miseráveis, os ignorantes lutam em silêncio, no amargo da fome que ninguém vê e poucos se interessam. Os chefes precisam de platéia, de palmas. E matar a fome dos fracos não aparece. E fica a revolta dos corações mais humanos, apenas. Fica a revolta no povo, que nem chega no cume...

Beijão grande, amiga.
Tais luso

Sonia Pallone disse...

Quanta verdade querida! Lendo seu poema dá até vergonha de fazer poesia, ou de tentar escrever coisas bonitas, a menos que cada letra pudesse se transformar num prato de comida pra matar a fome de quem tem. Bjs.

Zélia Guardiano disse...

Que maravilha de poema, minha querida Ju!
Não vou ater-me a nenhum verso em especial, porque o todo está irrepreensível... Quanta profundidade, quanta verdade, quanta reflexão importante nas tuas palavras!
Confesso-lhe que fiquei muito emocionada com esta leitura...
Parabéns, amiga!
Deus encontrará a forma ideal de recompensá-la...
Beijo

Graça Pereira disse...

Minha Querida
Dos mais belos poemas teus e dos mais fortes e que me toca muito de perto. Acompanhei durante anos estes olhares vazios...estômagos dilatados por falta de comida...braços finos parecendo quebrar-se ao mais pequeno sopro do vento mas...sempre com um soriso nos lábios...É este sorriso que guardo até hoje e que me fazia voltar sempre á "temba"...onde tinha duas famílias a meu cargo.
Paradoxalmente, foram os anos mais felizes da minha vida...
Parabens por este belo poema...tão verdadeiro...como trágico...ainda HOJE!
Mil beijos
Graça

ju rigoni disse...

Aos meus amigos, Wanderley, Ana Lúcia, Tania, AC, Paula, Angela, Rafael, Eliane, Nílson, Luciana, A.S., Taís, Sonia, Zélia e Graça...
meu muito obrigada pela visita e comentário.

Bjs em todos. Inté!