sábado, julho 24, 2010

Conto de Fodas



(“…delas é o reino dos Céus!”)



Carvoarias, canaviais,
lixões, olarias, puteiros…
Crianças escravas
dos escravos do dinheiro.

- Vai drops?
- Biscoito de vento?
- Compra, moço?… Pr’ajudar!

Há vida debaixo da ponte,
nas ruas, nos sinais de trânsito,
nos becos… Sem saída!

Fuzis, metralhadoras,
revólveres, granadas,
adrenalina… Sina.

Avião, vaporzinho,
ventinho… Asas nos pés.
E mãozinha esperta
que aperta o gatilho...
Molecada de recados, -
de morte anunciada.

Escudos
cegos, surdos e mudos
nos currais do poder
que não faz o dever de casa.

Reboco, barro, capim,
lixo, cacto...
Fome negra.

Cascas de tudo,
farinha de resto, de folhas, -
misturinhas de miséria
com a falta de vergonha
para embotar a fome;
quem sabe dar-lhe outro nome?…

Mastigam e engolem piedade.
O Estado é caviar, -
nunca lhe sentem o gosto!
A não ser quando transgridem
para matar o que as mata.

ju rigoni (1998)


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16 comentários:

AC disse...

O maravilhoso dos contos de fadas, a tragédia dos contos de fodas...

Gostei!

Beijo

angela disse...

Conta tudo o que causa essa dor e sofrimento que fazem de muitas crianças carrascos.
Linda poesia
beijos

Nadine Granad disse...

... Sempre consegue surpreender!

Imagem, poesia... tudo lindo!
Incomoda... magicamente incomoda!!!
Belo.

Beijos =)

Eliane F.C.Lima disse...

O olhar em volta, o olhar social, sempre é doído. E se esse social mata suas mais caras ilusões e crenças, é pela poesia que o poeta mata suas frustrações e tenta transformar o mundo.
Eliane F.C.Lima

Tais Luso de Carvalho disse...

Ju, querida: Acho que já andei lhe falando que gosto de poemas que tenham um cunho social; que relatam, que vomitam e mostram o podre da sociedade em cima dos gananciosos, dos irresponsáveis, dos desumanos. E você é mestra em mostrar tudo isto sempre num relato forte, e que nos deixa indignados em ver tantos braços cruzados e os bolsos rasgando de papel roubado.

Pois está aí, neste seu poema, tudo que nunca se fez e nunca se fará, porque neste mundo a única coisa que impera e que vale é a individualidade e muita grana suja, que surge através da fome e da miséria dos outros. Mas esse é um vício que para o qual não existe tratamento.

Beijão, amiga.
Tais luso

Andrea de Godoy Neto disse...

Ju, forte, intenso, com maravilhosa linguágem poética
e ainda assim, um soco no estômago.

Uau!
um beijo

A.S. disse...

JU...

Um poema que é um grito vindo do fundo da alma! Espero que ele seja escutado por quem sempre fecha os olhos à realidade!

Um beijo
AL

Fernanda Ferreira - Ná disse...

Vim atraída pelo título, movida pela curiosidade...
Estou desarmada, estupefacta...
Bem haja por claramente, e sem traves na língua, dizer o que lhe vai na alma.
Dar voz aos que tanto precisam.

Parabéns

Na Casa do Rau

Nilson Barcelli disse...

A sua poesia tem uma marca inconfundível, a sua. Muito sua. Apenas sua. Querida amiga, a sua poesia é originalíssima.
Este poema é o espelho do que afirmo. E é excelente.
A sua poesia é do melhor que há pela blogosfera.
Beijos, querida amiga.

Fernanda Ferreira - Ná disse...

Amiga!

Venho agradecer a sua visita ao meu mais recente Blog.

Beijinho

Na Casa do Rau

cirandeira disse...

Creio que existem pouquíssimos
poetas na blogosfera (pelo menos que eu conheça)que façam uma abordagem sobre os problemas sociais que nos afligem. Tens uma sensibilidade tão acurada, que consegues exprimir com lirismo até
o que há de mais deprimente entre
os seres humanos!!!

Beijos

P L disse...

Ju, querida, vc escreve de forma singular!
Fico admirada com os seus poemas, pois são tão únicos, tão maravilhosos!

É um deleite ler-te! :)

Beijos,
Patrícia Lara

Adriana Riess Karnal disse...

Ju,
Muito bom, além de poétic é uma crítica.gosto muit desse tom na poesia.

Anônimo disse...

Um conto de fodas, talvez o reverso de um conto de fadas, o oposto do que doutrina a lei de que tudo acaba bem no final.
Adorei os versos, bem reais. Beijos pra ti e uma ótima semana!

Anônimo disse...

Olá, desculpe invadir seu espaço assim sem avisar. Meu nome é Fabrício e cheguei até vc através do Blog Teatro da Vida. Bom, tanta ousadia minha é para convidar vc pra seguir meu blog Narroterapia. Sabe como é, né? Quem escreve precisa de outro alguém do outro lado. Além disso, sinceramente gostei do seu comentário e do comentário de outras pessoas. Estou me aprimorando, e com os comentários sinceros posso me nortear melhor. Divulgar não é tb nenhuma heresia, haja vista que no meio literário isso faz diferença na distribuição de um livro. Muitos autores divulgam seu trabalho até na televisão. Escrever é possível, divulgar é preciso! (rs) Dei uma linda no seu texto, vou continuar passando por aqui...rs



Narroterapia:

Uma terapia pra quem gosta de escrever. Assim é a narroterapia. São narrativas de fatos e sentimentos. Palavras sem nome, tímidas, nunca saíram de dentro, sempre morreram na garganta. Palavras com almas de puta que pelo menos enrubescem como as prostitutas de Doistoéviski, certamente um alívio para o pensamento, o mais arisco dos animais.


Espero que vc aceite meu convite e siga meu blog, será um prazer ver seu rosto ali.


Abraços

http://narroterapia.blogspot.com/

ju rigoni disse...

À AC, Angela, Nadine, Eliane, Taís, Andrea, A.S., Fernanda, Nilson, Cirandeira, Patrícia, Adriana, Luciana, Fabrício, agradeço pela visita e comentário.

Bjo grande em todos. Inté!